Lápis Mágico

Pelle, o cozinheiro,

Pelle, o cozinheiro é um conto tradicional sueco, adaptado do livro Palácio dos Contos

Pelle, o cozinheiro, conto tradicional sueco

Era uma vez um marinheiro chamado Pelle, o qual desde longa data navegava com o mesmo patrão, mas sempre como cozinheiro, apesar de ser muito atilado, trabalhador e estimado por toda a tripulação.

O patrão chegou a ter tanta confiança nele, que o deixava administrar as provisões do barco e aceitava tudo o que Pelle considerava conveniente.

Certa ocasião em que navegavam nos mares de Espanha, aconteceu que um marinheiro com o qual Pelle mantinha estreitos laços de amizade caiu pela borda fora e desapareceu nas profundezas do oceano.

Não se voltou a saber dele, e Pelle, o Cozinheiro, sentiu-se extremamente amargurado durante muito tempo.

Alguns anos mais tarde, quando navegavam de novo nos mares de Espanha, mais ou menos no local onde o marinheiro desaparecera, Pelle desceu ao camarote do comandante e pediu-lhe que saldasse a sua conta, a qual era muito elevada, pois nunca lhe fizera semelhante exigência em todos aqueles anos.

E acrescentou que lhe permitisse abandonar o barco.

O comandante surpreendeu-se e perguntou-lhe porque queria o dinheiro precisamente naquela altura e como tencionava deixar o barco no alto mar.

No entanto, Pelle limitou-se a rogar que lhe pagasse e cedesse o bote, para poder içar a vela e afastar-se. Por fim, recebeu as piastras que lhe eram devidas, em número considerável, e a embarcação, com a qual se fez ao mar.

Quando ainda se encontrava à vista do barco que acabava de abandonar, um homem surgiu da água e sentou-se a seu lado sem proferir uma única palavra. Era o amigo que se afogara! Em seguida, quebrou o mutismo para lhe agradecer a sua velha amizade e declarar que desejava recompensá-lo por isso e proporcionar-lhe toda a sorte do mundo.

De súbito, apareceu uma baleia enorme, que prendeu uma barbatana ao cabo da vela, após o que arrastou o bote a toda a velocidade.

Depois de um longo percurso, chegaram a uma ilha desabitada. Quando Pelle, o Cozinheiro, quis desembarcar, viu que o amigo estava realmente morto, pelo que o sepultou na praia. Por último, internou-se na ilha para se inteirar do que o destino lhe reservava.

Pouco depois, viu uma pequena galeria que se introduzia na terra e enveredou corajosamente por ela. Não tardou a achar-se a uma grande profundidade, atravessou algumas salas magníficas e deparou-se-lhe uma linda princesa, a qual, ao vê-lo, exclamou:

  • Infeliz! Porque vieste aqui, onde doze piratas sanguinários me mantêm sequestrada e não tardarão a aparecer? Sou uma princesa. Convém que te faças passar por pirata, de contrário assassinam-te. Com efeito, os piratas surgiram pouco depois e perguntaram-lhe quem era.

  • Um pirata como vocês - replicou Pelle.

  • A parte isso, qual é o teu ofício? - insistiram.

  • Sou cozinheiro.

Ficou então decidido que ficaria com eles, cozinharia e ajudaria a jovem que haviam recolhido a cuidar da casa. Em seguida, Pelle entregou-lhes voluntariamente a pesada bolsa cheia de piastras.

No dia imediato, os piratas partiram para assaltar os viajantes que faziam escala na ilha. Entretanto, Pelle lamentava profundamente a sorte da princesa, e não tardaram a amar-se e a prometer que se casariam.

Ela ofereceu a Pelle metade de um anel em que estavam gravados o seu nome e o do pai, o rei, assim como um lenço que rasgara previamente ao meio, de forma que ficou com a metade que continha o seu nome e parte do pai.

Posto isto, Pelle, o Cozinheiro, pôs uma panela enorme ao lume, verteu nela uma parte de melaço, outra de rum e um pouco de alcatrão e deixou a mistura cozer.

A seguir, colocou na mesa um anker de rum e duas tinas de açúcar. Quando os piratas regressaram, à noite, comunicou-lhes que saíra para roubar e obtivera tudo aquilo, convidando-os para provar o ponche.

  • Que é isto? - perguntaram, desconfiados.

Pelle preparou com o rum e o açúcar um ponche saboroso e forte, que os outros beberam e quiseram repetir. Ele comprazeu-os sem cessar, até que ficaram tão ébrios que não se aguentavam de pé.

Serviu-lhes finalmente a sopa de melaço, rum e alcatrão a ferver e fingiu que ia transferir uma parte para os pratos. De súbito, tropeçou propositadamente e verteu em cima dos doze piratas a escaldante mistura. Ato contínuo, matou todos à paulada, foi chamar a princesa e explicou-lhe o que acontecera.

  • Agora, estamos livres! - exclamou ela.

Durante algum tempo, Pelle, o Cozinheiro, viveu feliz com ela na ilha, na sumptuosa residência dos ladrões.

No entanto, não queriam continuar ali. A princesa ansiava por regressar ao reino do pai e casar devidamente com Pelle, que agora amava com intensidade. Um dia, chegou à ilha uma embarcação vazia à deriva e Pelle, o Cozinheiro, recolheu todos os seus haveres, a prata e o ouro da gruta dos piratas e transferiu-os para lá.

Em seguida, zarparam e navegaram diretamente ao reino do monarca que era o pai da princesa. Entraram numa pousada e carregaram os seus tesouros em quatro coches, mas cometeram a imprudência de divulgar as suas aventuras, quando ainda se encontravam a alguns quilómetros da capital.

Dois vagabundos inteiraram-se, assaltaram-nos pelo caminho, espancaram de tal modo Pelle, o Cozinheiro, que ele ficou inanimado na estrada, raptaram a princesa e ameaçaram-na com a morte se se negasse a anunciar ao pai que a tinham salvado. Por último, seguiram, com todos os tesouros, para a corte do rei, onde foram recebidos cordialmente.

Um pouco mais tarde, passou um homem no local em que se conservava Pelle, o Cozinheiro, e levou-o a um médico. Quando se recompôs e soube o que acontecera, ficou horrorizado ante a perspectiva de a princesa ter de escolher marido entre os vagabundos. Mas isso não sucederia enquanto o monarca, que se encontrava gravemente doente, não recuperasse a saúde.

Ora, o médico de Pelle era o seu amigo, o marinheiro morto, o qual o aconselhou a conseguir trabalho na cozinha real e a aguardar o momento oportuno para mexer a sopa do rei com uma colher que lhe entregou. O monarca ficaria curado e tudo se resolveria como Pelle e a princesa desejavam.

  • Nada mais posso fazer por ti - concluiu. - Obrigado pela nossa velha amizade, e adeus!

Com estas palavras, desapareceu para sempre. Entretanto, o rei sentia-se cada vez pior e a princesa cada vez mais aterrorizada, pois os dois vagabundos desfrutavam de honras supremas na corte. Mas nessa altura contrataram Pelle como ajudante de cozinheiro do palácio, e ela exultou quando o reconheceu.

Uma vez por outra, deparava-se-lhes o ensejo de conversar a sós. Ele indicou-lhe que convencesse o pai a encomendar ao chefe da cozinha uma sopa que lhe restabelecesse a saúde. A ordem foi transmitida pelo próprio rei ao cozinheiro acompanhada da ameaça de morte, na eventualidade de não ser cumprida, pelo que o homem encarou como um facto inevitável o termo iminente dos seus dias.

Estava desesperado, sem saber o que fazer, e, por fim, revelou tudo a Pelle, porém este aconselhou-o a não se preocupar muito com a sopa destinada a Sua Majestade, pois ele próprio trataria de tudo. O chefe da cozinha duvidava seriamente de que o seu modesto colaborador lhe pudesse salvar a vida, mas deixou-o atuar livremente, e Pelle pôs a panela ao lume.

E o pasmo do homem atingiu o auge ao ver que ele se limitava a utilizar água pura. Quando o relógio badalou o meio-dia e foi necessário levar ao rei a sopa com o resto da refeição, o medo dominava-o de tal forma que não sabia o que fazer. Pelle retirou a panela fumegante do lume, mexeu o conteúdo com a colher oferecida pelo amigo morto e proferiu:

  • Oxalá isto cure Sua Majestade!

Quando provou a sopa, o chefe da cozinha sentiu-se como se acabasse de nascer, e foi com confiança crescente que a levou ao quarto do rei. Este, só de aspirar o odor, ficou mais animado. A primeira colherada, encontrou-se muito melhor.

A segunda, empertigou-se na cama. A terceira, manifestou o desejo de se levantar, e assim fez. No final, já com o prato vazio, considerou-se restabelecido e perguntou ao chefe da cozinha se confecionara a sopa.

  • Não, Majestade - replicou o homem. - Esta obra-prima é da autoria de um dos meus ajudantes.

O monarca mandou chamar Pelle, o Cozinheiro, e nomeou-o encarregado de pôr a mesa, além de lhe entregar uma generosa recompensa. Assim, ele disporia de mais oportunidades de se encontrar com a princesa. No entanto, como o pai recuperara a saúde, ela tinha de escolher um dos dois vagabundos para esposo.

Ao mesmo tempo, era cada vez maior a consideração do rei por Pelle, o Cozinheiro, e nomeou-o copeiro real - aquele que se postava atrás da cadeira do monarca e lhe servia o vinho. Pouco antes da data para a princesa se decidir, realizou-se um sumptuoso banquete e, no momento em que teve de servir o vinho ao rei, Pelle depositou o seu meio anel na taça de ouro, sem que ninguém se apercebesse.

Ao levá-las aos lábios, o monarca ouviu um ruído metálico, pegou no pequeno objeto e viu que tinha gravado metade do seu nome e o da filha, pelo que perguntou à jovem o que acontecera à outra metade.

Ela não se pôde conter mais tempo e descreveu todo o seu infortúnio e aventuras: Pelle, o Cozinheiro, copeiro do rei, salvara-a das mãos dos piratas e os dois vagabundos naquele momento sentados à mesa real, cada vez mais embaraçados, tinham-na obrigado a revelar uma versão diferente, ameaçando-a de morte.

O rei levantou-se quase de um salto e mandou encerrar estes últimos na torre, onde aguardariam o merecido castigo. A princesa mostrou a sua metade do lenço e Pelle, o Cozinheiro, imitou-a.

O monarca ficou tão eufórico, que abraçou a filha e concedeu-a em matrimónio ao honrado ajudante de cozinheiro.

Quando ele morreu, Pelle herdou todo o reino e aquilo que lhe pertencia, e viveu feliz com todas as honras de uma longa existência.

(adaptado) Diederichs, U. (1999),O Palácio dos Contos, Lisboa: Círculo de Leitores


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